«Como o amado no amante
Um no outro residia,
E aquele amor que os une
No mesmo coincidia
E com um e com o outro
Em igualdade e valia.

Em aquele amor imenso
Que de ambos procedia
Palavras de grande gozo
O Pai ao Filho dizia
Com tão profundo deleite
Que ninguém as entendia.
Somente o Filho as gozava
Porque a Ele pertencia,

Mas aquilo que se entende
Desta maneira dizia:
«Nada me contenta, Filho,
Senão tua companhia.
E se coisa me contenta
Em ti mesmo Eu a queria:
O que a ti mais se parece
A mim mais satisfaria
E o que nada te assemelha
Em mim nada encontraria.
Eu só de ti me agradei,
Ó vida da vida minha!
És a luz da minha luz,
És minha sabedoria;
Da minha substância imagem
Em que Eu bem me comprazia.
A quem amar-te, meu Filho,
A mim mesmo me daria
E o amor que Eu te tenho
Nesse mesmo Eu o poria,
Só por Ele ter amado
A quem Eu tanto queria».

S. João da Cruz | 1542 – 159
Poesias, In Principium erat Verbum 2